quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O TREM E A ALMA














Quando despertava para vida, eu tinha duas metades,
e um dia na plataforma da estação, numa destas partidas,
a vida levou uma delas, e quando o trem apitou lá curva,
ainda deu tempo da despedida.
E a que foi embora, era a revolução, e ela prometera mudar o mundo,
mudar as pessoas, revolucionar os direitos, fortalecer os deveres,
distribuir melhor as coisas, educar os homens, conservar a natureza,
e assim o trem a levou, quase não deu tempo de dizer adeus.
E a outra metade, ficou com o estalar dos trilhos,
o repique do maquinista no apito, as badaladas do sino,
um lagrima que sutilmente ficou no chão, e a estação ficou só,
e metade de mim também.
E até hoje clamo pelo retorno, sem a outra metade fica difícil viver,
o trem a levou, foi como um seqüestro.
Metade de mim era revolução, e numa destas tardes cinzentas,
ela parece que fugiu naquele trem, e ainda, e como se não bastasse,
até hoje aquele sino da estação soa indelevelmente na minha alma,
maldito trem, até hoje não voltou, metade de mim foi embora.
E sempre estou ali na estação, a espera... sempre a espera.
E quando olho lá na curva, a ilusão me abraça,
e até o apito vez por outra, soa...
Mas a estação esta vazia, como a minha alma.
Já não vejo a bilheteria, o telegrafista, o guarda freio,
o mestre de linha, o feitor, e nem tão pouco o chefe do trem.
Levaram metade de mim...
O trem já não volta mais, a estação vazia, minha alma também.
Metade de mim o trem levou, certa vez cheguei a pensar,
que a metade que foi embora naquele trem,
se enroscou com o meu amigo “che”, mas sei que não deu tempo.
Mesmo assim, vez por outra, vou a estação, vejo fantasmas,
e de mim mesmo.
Porque metade de mim é revolução, e a outra também.


Ari Mota

2 comentários:

Elaine Barnes disse...

Os trens são inspiradores. Escrevi o "Trem do Tempo" e 'Calcinha de Vidro" e se tiver vontade poderá ver no meu blog. Seu texto é lindo e triste. Voc~e escreve muito bem e passa o seu sentimento como ninguém. Adorei amigo e me lembrou a música "metade" do Osvaldo Montenegro que acho uma das poesias mais lindas. Parabéns e que sua alma se preencha de alegria por ter tanta beleza pra mostrar. bjão

Lara Amaral disse...

Lembrou um poema do Oswaldo Montenegro. Mas identifiquei-me mais com o seu.

Só que às vezes não parece que me levaram só metade, mas vários centésimos.

Beijos.