quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O PRINCÍPIO DA SOLIDÃO

Ela vai chegar assim, como se... subtraísse o chão, esvaziasse a alma.
Sorrateira... tira-lhe, aos poucos e nada deixa, e nada oferece a alguém.
Quase invisível, chega como brisa descomprometida.
Serena... entra sem bater, apossa sem pedir, instala com toda a calma.
A solidão emerge de dentro... quando vamos deixando pelo caminho,
pedaços de nossas espontaneidades, fragmentos de nossos sonhos,
e quando espalhamos um pouco de nós pelas margens do destino.
Solidão é quando você procura outros lugares...
que não sejam os que você já tem dentro de si mesmo,
é quando você procura outras pessoas... e já não se reconhece,
passa a temer suas fraquezas, suas dúvidas e suas perdas,
e receia olhar-se... para dentro em busca de suas verdades,
é quando a alma em inquietação esmurra o peito...
querendo passar para fora, sair correndo.
É quando a alma se sente cativa, e uma angustia descabida afronta o dia.
E a insônia vira desespero, e brota um querer fugir, desaparecer,
e o desalento lhe vier acintosamente... fazer companhia.
É quando se sente... capturado por esta hipnose coletiva,
e passa a ser os outros... os outros desejos, os outros sonhos.
E... perdido na pior das prisões, no mais terrível calabouço,
no desassombro de não ser você mesmo e encarcerado ao medo,
renuncia sempre ao salto profundo do livre arbítrio,
e na magia e no arrojo de voar livre e sem segredo.
Talvez... não criou caminhos, nem atalhos, não mudou, nem ousou,
não teve o atrevimento de arriscar-se a um novo norte,
seguiu o que já pronto estava, não inovou... não fez nada.
Não desnudou a alma, para se revestir de ousadia.
Não procurou estar à frente do seu tempo,
nem na vanguarda de si mesmo.
Solidão é quando se vasculha a alma e nada encontra...
É chegar ao final cheio de coisas... só coisas,
e não encontrar sentimento, é olhar com desfavor.
Solidão não é ficar sozinho ou perdeu-se pelo caminho,
nem exilar-se dentro da própria essência.
O princípio da solidão... chega assim...
embrutecendo o olhar,
permitindo adormecer o amor.

Ari Mota

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

SÓ PARA OS LOUCOS

Faz tempo e como faz... absorto no ceticismo do meu existir,
na própria dúvida do caminho, na incerteza da minha verdade,
e vagueando sem rumo e sem destino.
Encontrei... uma figura impar, singela... sentou ao meu lado,
e tudo virou calmaria, cessou a torpeza dos homens, e a minha aflição.
E calmamente segurou em minhas mãos... e disse-me: viver é desfrutar.
Busque esta luz que tens na alma, ilumine esta negrura que carregas,
esse desassossego em viver, esta angustia descabida, esta perturbadora inquietação,
ofereço-lhe a imensidade estampada a frente dos seus olhos.
E te proponho, freqüentar a minha casa... tenho a essência de todos os seres,
a beleza do riso, e se preciso dou-lhe a minha contemplação.
Estou em tudo... sou o vento, a água límpida, o voar de uma borboleta,
acha-me em todos os lugares... até dentro de você, estou num sorriso descomprometido,
na fragrância das flores, no aroma dos eucaliptos, na relva e nas cascatas.
Sou pequeno como uma gota de orvalho, sou grande... maior que o meu próprio sonho,
sou areia fina, sou aquele rochedo lá no alto, sou quietude, mas às vezes bramido.
Meu grito não é de amargura... é de delírio em existir, e agradecido.
Ando sempre acompanhado dos espíritos das florestas,
sou ingênuo... pura criancice e com elas faço todas as festas.
E a loucura... cura a minha alma e faz de mim brandura.
Desfrute a vida, e tudo que nela tem... e suas palavras vertiam como um feitiço,
e foi embora... dançando... só depois entendi que era Deus, o arquiteto de tudo isso.
Extasiou-me com tamanha simplicidade, tamanha doidice.
Eu que sempre fui um aprendiz, coloquei na minha sensatez... devaneios e sandice,
como a vida é uma travessia... só de ida, não tive outra saída.
Para não permitir que definam o meu sonho, nem acorrentem as minhas asas:
Cometi um desatino, aposentei a minha lucidez.
Como acredito na finitude de mim mesmo, resolvi mudar.
Hoje caminho na praia deserta, em baixo de uma garoa fina, ao lado de um mar revolto,
encaro o vento frio, em tardes de inverso... sozinho naquela imensidão,
calo-me em vigília e em busca de calma, e passeio em desvario com minha alma.
E sei que isso é para os diferentes... só para um louco.
E já não mais estranho, quando me perguntam por que da solidão.
Talvez, quem anda sozinho já se encontrou.
Hoje... faço minhas escolhas: virei silêncio, contemplação.
Nas minhas triagens tenho o meu ritmo, os meus livros, a minha musica,
o meu caminho, que mudo todos os dias, e também o meu olhar.
Os loucos são livres... eu sempre serei livre,
até para amar.

Ari Mota