sábado, 28 de maio de 2011

OS CICLOS DA ALMA


Demorei... a entender os sinais do destino,
quase fiquei preso a mesmice,
a chatice de achar que tudo era uma repetição,
e que nada se renovava no meu caminho,
e que meu existir era sem ação.
Até que em uma dessas retas sem fim,
apressei os passos, coloquei rapidez no andar,
e não consegui... concluir a curva à frente.
Estatelei no chão, esfolei a pele, sangrei sem chorar.
Levantei... bati a poeira... engoli a seco a timidez da queda,
o embaraço do tombo, o encontro com o chão.
Como não sei ser outra coisa... além de aprendiz,
fiz do tremor, do medo que nasceu na alma... ciclos,
e todas as vezes que sucumbo ao desalento,
reergo em altivez para mim mesmo,
respiro fundo, como se fosse buscar lá dentro... inspiração.
Recorro aos sonhos, aos devaneios, e aos ventos.
Não perco o simples prazer de recomeçar.
E ai... vem tudo outra vez... mas sempre diferente,
tudo que começo... crio um espaço para o fim,
e o defino de outras maneiras, e em novas descobertas.
Meu existir nada mais é que... ciclos de mim,
retiro os invólucros que aparentemente me protege,
arranco as cascas da minha aparência, desnudo minha essência,
e com brandura recolho para dentro do peito... o meu desfolhar.
E passo a ser eu... não muito, nem muito pouco... assim,
reconheço os meus ciclos, descubro os instantes de mudar,
de reeditar os paradigmas, as travessias.
Mudo tanto, altero-me tanto,
que há dias que volto por outros caminhos,
e quando chego... entro em casa portando alegria,
sorrindo sorrisos que nunca tive, olhando como nunca olhei,
amando como nunca amei.
Antes meus ciclos chegavam de tempos em tempos,
hoje... acontecem todos os dias, sem temor.
vi... que quem teme as mudanças permanece... perdido,
quem as descobre, inova:
o amor.

Ari Mota

terça-feira, 24 de maio de 2011

O COLAPSO DO SONHO


Há que se ter um olhar para dentro, postar vigília sobre si mesmo,
agarrar-se ao efêmero existir, sem desistir de sonhar,
sincronizar o destino a utópica morte,
e viver como se nada fosse acabar.
Realinhar as vontades, tracejar os novos caminhos,
reinventar os abraços, os afagos... para não ficar sozinho.
E depois... bem depois... do silêncio,
sondar sem exagero os passos da alma,
e vagar ao seu lado... ao acaso.
E um socorrer o outro em tardes de temporal,
em madrugadas de vazio,
em noites de desespero, em meio ao frio.
E mesmo com o desalento do abandono, não esmorecer,
ressurgir, rebrotar na aridez da angustia,
nem que tenha que repartir o cansaço, o fracasso,
o riso, e no improviso, compartilhar a solidão.
Porque existe uma fronteira tênue entre o sonho e o desistir,
entre ficar e querer partir,
abandonar a si próprio durante a caminhada... fugir.
Mas, há que aprender:
Quem não sonha, cresce pequeno.
Diminui subitamente na subida, e descontrola-se na descida.
E indubitavelmente pode produzir o colapso do sonho,
acabar antes de acontecer, morrer antes do fim.
Mas... haverá que redefinir a ausência de ousadia,
a estupidez do desanimo, o chegar da apatia,
e ressurgir do revés do dia, e recomeçar.
E em fantasia... ser feliz... revestir-se de alegria.
Porque tudo é breve, é pura utopia.
Que possa redescobrir os desejos, os beijos,
virar poeta... sonhador.
Fazer do existir,
amor.

Ari Mota

quarta-feira, 18 de maio de 2011

O QUE VOCÊ VAI SER QUANDO ENVELHECER


De tudo ficou a certeza da dúvida, e que nada sei.
Quando menino, o mundo cobrava-me o que ser,
quando crescer.
Vieram às desconfianças patológicas, quase virou maluquice.
Saí à procura de referência, corri aos livros,
desespero de juventude... pura tolice.
Fui procurar o “eu” em outra história e outras almas,
quase fui abatido pelo vazio, pela ausência de mim.
O tempo implacável fluiu como um vendaval,
fui esticando sem crescer.
Por um triz, quase nasceu um vão aqui dentro, sem igual,
sorte foi que a circunstância não me deixou fútil,
nem a necessidade, vil.
Sobrevivi à rudeza do cotidiano e a estupidez juvenil.
Eu que necessitava ser alguém quando crescesse,
tornei-me “eu” sem saber.
Errei em demasia, corrigi sem temor e acertei em analogia,
houve tempos de derrotas, outros de alegria,
e eu que não sabia quem seria... encontrei-me.
E na descoberta, cresci... sou assim, do meu tamanho.
Hoje não mais me pergunto o que vou ser quando crescer,
a pergunta do agora é o que vou ser quando envelhecer,
e esta é a questão do amanhã, acontecer sem iludir.
Como já fui surrado pelo existir,
hoje quem faz as escolhas sou eu e minha alma,
vivo em volta dos meus desejos, que me acalma,
e antes que vá a lucidez.
Danço em madrugadas de solidão e ao léu,
e sempre... com uma louca bailarina, outra vez,
ao som de uma orquestra de borboletas azuis,
tocando Ravel.
De tudo ficou a certeza do sonho,
e como sou aprendiz... de mim.
Hoje sei o que vou ser quando envelhecer:

Feliz.

E você?

Ari Mota

domingo, 15 de maio de 2011

UM NOVO NORTE


Se depois de tudo, e ainda... um vazio não desgrudar da alma,
o peito arder de solidão, e uma lágrima escapar em espanto,
descer lacerando a carne, como se queimasse o sonho,
e o soluço contido esconder o pranto.
E sentir o ofuscar do brilho, e o sumir do encanto,
correr em desespero a procura de um carinho,
sentir-se perdido ao meio do existir, não sabendo aonde ir.
Pode ser... que esteja somente a deriva, procurando um norte.
A mesmice o levou ao cansaço, o individual o deixou sem o abraço.
A voracidade do ter o abandonou pelo caminho,
quando procurou abrigo... se viu sozinho.
Há que se realinhar o próprio magnetismo,
reparar a própria bússola e redirecionar o seu destino.
Há que se fazer outras perguntas e não temer as novas respostas.
Há que se partilhar o riso... o que for preciso e o olhar.
Mas, terá que reinventar o afeto que se perdeu como um objeto,
ao longo do andar.
E terá que abster-se do medo da entrega e de amar,
ter a coragem de repaginar a insanidade que viveu,
traçar outras referências, outras verdades,
abandonar os discursos... e encarar o silêncio de si mesmo,
e aceitar o que aconteceu.
Se depois de tudo... inda faltar insensatez,
haverá uma chance de nortear o destino outra vez.
Ninguém se perde quando reedita os sonhos,
reconhece os enganos, os desacertos,
pede desculpas... faz-se... os consertos.
E depois de tudo... inda é possível preparar o fim.
A vida nos permite reflorescer, cobrir-se de flores,
abandonar os rancores.
Encontrar um novo norte... em esplendor,
e depois... além da volta,
ressurgir por amor.

Ari Mota

quarta-feira, 11 de maio de 2011

AS PORTAS ESTÃO ENCOSTADAS


Quando o destino nos convoca para partir,
a incerteza fica ali do lado de fora, na espreita a nos olhar.
Sorrateira, nos vê com olhos de desdém.
Traiçoeira, nos reveste de duvida... como ninguém.
Depois nos abandona em noites frias,
e nos esquece, trêmulos em madrugadas vazias.
Encaramos o existir com sofreguidão,
e achamos que todas as portas estão fechadas.
E uma inquietude seqüestra nossos sonhos,
e planta em nossas almas... solidão.
Teimamos em não ter teimosia,
morremos de receio da ousadia.
Apequenamos quando erramos,
em desassossego fingimos nossos desacertos,
ficamos vítimas do nosso próprio medo.
Uns... passam toda uma vida... assim,
sem conhecer o desprazer das vaias,
nem a delicia e o glamour dos aplausos.
Dissimulam o riso, disfarçam o choro,
emudecem o soluço, engolem o desaforo,
escondem demasiadamente do palco da vida,
sem tentar mais uma vez... partir, sem despedida.
Quando o destino nos convoca para partir.
Há que se levar na bagagem... mais coragem,
nem que no caminho... ao procurar um abraço,
no descompasso... encontre-se... sozinho.
Há que se esmurrar e empurrar todas as portas.
Há que se bater palmas, pedir... gentileza antes de entrar.
Há que se abrir todas elas... durante a caminhada,
o destino nem sempre... as deixam trancadas,
às vezes elas somente estão encostadas.
E lá dentro sentado em devaneios: o acaso... o risco,
em aplausos... esperando-te, e pedindo bis.
Porque ousou... abriu uma a uma,
atrás de um só dever... e seu... só seu,
o de ser feliz.

Ari Mota

quarta-feira, 4 de maio de 2011

EM BUSCA DE SENSATEZ


Eu sempre me olho, faço uma varredura no que sou,
e em vigília, e em metáfora... sou um barco a navegar,
tenho madrugadas de calmaria, noites de ventania,
delírios de medo e tempestades em alto mar.
Quando cessa os movimentos das ondas e dos ventos,
estendo as velas sobre o meu peito, e com todo o jeito,
remendo os furos, conserto os rasgos, costuro os vazios,
emudeço os soluços, enxugo as lagrimas, e afago os desvarios,
e a reconstruo para a próxima tempestade.
Fiz de mim um barco... da minha alma uma vela,
com toda a intensidade,
andamos pelos mares do existir,
como dois aventureiros... somos cúmplices, amantes,
solitários... errantes.
Vivemos assim...
Às vezes a deriva, às vezes sabendo aonde ir.
Recomponho-a... reparo sempre e sempre depois dos temporais.
Ela gruda em mim como se eu fosse um mastro,
e eu a ela... como se fosse um lastro.
Estamos em conivência em nossa viagem,
às vezes quase morremos de incerteza,
e depois de coragem.
Vivemos assim...
Atracamos ao anoitecer,
zarpamos sem destino ao por do sol,
como dois enamorados contando estrelas,
plantando rosas vermelhas e girassol.
Eu sempre me olho, sou mais alma... que corpo.
Mais vela... que barco, mais vento... que mar.
Embora tenha devaneios de poeta,
sou mais certeza... que talvez.
Eu e minha alma navegamos,
em busca de sensatez.

Ari Mota