Em 1955 ganhei um corpo,
meus pais o aqueceram e o mantiveram vivo,
alimentaram-no,
e com afeto fizeram-me o que sou.
As estações fluíram nos meus dias, o tempo passou.
E quando na adolescência deparei com o espelho,
achei que eu era aquele que estava do outro lado,
imaginei beleza, ousadia, sonhos, destreza e força,
não pude ter a percepção do que estava por dentro,
e vivi presumindo que aquele corpo era eu.
E os invernos da vida congelaram o meu existir,
apossaram-se de mim alguns medos, alguns vazios,
algumas saudades, perdi alguns amores, deparei com a solidão.
Eu que tanto apreendi a me ver no espelho, e achar que aquele era eu,
depois de um tempo, quando os cabelos tornaram-se pálidos, escassos,
encontrei um outro ser habitando o meu corpo, fazendo ali sua morada.
Corri no espelho e não me encontrei...
Desesperado, ouvi vozes... vindo de dentro do peito,
serenamente, suavemente deparei com minha alma,
que não refletida no espelho, apresentou-se como sendo eu.
Desde então... neste corpo esconde uma alma,
já não me imagino como antes, com o esplendor da juventude.
A beleza... não consegui mantê-la na face, a perpetuei nos meus olhos,
e tudo que vejo harmonizo com o necessário e o belo.
A ousadia, ficou na determinação e na resiliência em lutar até o fim.
O sonho... hoje ainda os tenho, mas o dimensiono de outros ângulos,
os vejo de diversos prismas.
A destreza a transferi para dentro, construo lá esperança e felicidade.
E a força física... tenho perdido pelos caminhos,
mas o destino presenteia-me a força do amor.
Aprendi viver de corpo e alma.
Tenho amado mais a vida do que antes.
Ari Mota