Dia desses o passado rompeu as fronteiras da memória,
e veio sentar ao meu lado, e se fez saudade,
e doeu como uma ferida.
Menino ainda, alma intacta, pura, tomada de inocência,
livre dos medos imaginários, dos anseios em conseguir, conquistar,
da aflição em ter, representar o que não é, fantasiar o que não sabe,
época em que as circunstancias eram irrefletidas, e eu era ninguém...
somente um menino perdidos nas Minas Gerais do meu sonho.
Acreditava que todos voltariam para casa nos fins de tarde,
e que partida era uma rodada de futebol, nas tardes frias de inverno,
e que ninguém partiria sem dizer adeus.
Dia desses o passado rompeu o meu silêncio,
e a saudade desceu em gotas pela face.
Um cismar de abandono, um vazio imprevisto, uma busca,
uma vontade inquietante de voltar, reencontrar amigos,
amores, ingenuidade perdida, esperanças esquecidas.
Dia desses o peito ardeu, queimou, o passado fez-se solidão,
busquei a primeira bicicleta, o primeiro beijo,
o primeiro amasso no portão.
Dia desses os olhos dispersos no pretérito da minha vida,
procurei a minha meninice, as pipas no ar, os risos ao luar,
os afagos, os abraços, o menino que me fez amar.
Dia desses, notei falta de mim mesmo,
daquela alegria de menino,
dos sonhos,
das estradas por onde andei,
das pipas que soltei,
de tudo que amei.
Ari Mota