terça-feira, 1 de dezembro de 2020

SÓ SOBRARAM OS OLHOS













Primeiro foi a distancia...
E veio o desespero em ficar sem o abraço,
- e nasceu um vazio descomedido,
e um encontro abrupto com os nossos desertos.
Depois foi o toque...
Brotou um abismo entre o calor dos corpos,
- um nada, que nos aparta,
um separar que nos apavora.
E como se não bastasse... e, em disfarce,
pregaram-nos uma máscara na cara,
e extraíram... o riso,
arrancaram... dos lábios o beijo,
asfixiaram... a alma,
- E tudo, nublou, sufocou a expressão,
mutilou a linguagem corporal,
e por pouco não intimidou o nosso amor,
inibiu o nosso afeto,
desconstruiu os nossos sonhos,
ofertando-nos, a solidão.
 
De repente… só nos sobrou os olhos,
que a muito perdera o brilho,
e quase apagou,
entorpeceu-se de tanto ouvir a boca balbuciar tolices,
palavrear vazios,
e com ludíbrio nada dizer.
 
De repente... só nos sobrou os olhos,
é hora de redimensionar o olhar,
fazê-lo ressurgir.
Por tempos...
toda a comunicação da alma emergia dele,
toda a manifestação de amor exalava dele,
o seu silencio tinha voz,
seu luzir provocava mansidão.
 
De repente... só nos sobrou os olhos,
e nossos ancestrais já diziam:
Olhos não mentem, nem enganam,
resplandecem... quando felizes,
murcham... quando magoados,
ficam sombrios... quando sozinhos,
e em estase... quando amam.
Como só... sobraram-nos os olhos,
que ele nos revele tocar com a alma,
outra alma,
e nos ensine a contemplar com gratidão.
 
Ari Mota 


sábado, 17 de outubro de 2020

VIAJO ATRÁS DE LUZ


 










São quase sete décadas,
dessa viagem descomunal.
E poucos foram os instantes de insanidade,
coloquei harmonia na minha loucura,
equilibrei o meu ímpeto, dominei a minha fúria.
Virei silêncio, solidão,
não me afoguei em desespero,
nem me descompassei na hora de sonhar.
Virei calmaria,
e presentearam-me três humanos para amar,
construí-me... reinventei-me.
Suportei a dimensão dos combates,
e nas derrotas deparei com a minha resiliência,
persistia tanto... que iniciava tudo outra vez,
e quase nada me fugiu do controle,
tolerei as vicissitudes que me infligiu,
e percebi que a vida é uma ventania colossal.
E já são quase sete décadas...
E hoje, tudo que vivi me pareceu efêmero,
e o faria do mesmo jeito, tudo que fiz até hoje me seduz,
é que passei a me espelhar na natureza, em suas estações.
E vivo assim... em ciclos... sem intermitência,
e quando percebo o meu outono entreabrir aqui dentro,
e iniciar um frio descomprometido,
e as folhas soçobrarem no chão:
vou rastelar o meu jardim...
e aproveito rastelo a minha alma,
e depois semeio amor nos meus desertos.
E logo em seguida desponta o inverno, frieza,
o sol tímido e a noite mais longa me faz recolher,
arqueio o corpo, transmudo para a alma... quietude,
espero tudo passar.
E de repente despenca a primavera...
o desabrochar das flores, o despertar dos sonhos,
e aí, saio enlouquecido... redescubro-me.
E de súbito resplandece o verão,
os dias se alongam, o sol despeja esperança,
saio regando as flores que plantei e tudo se renova.
E essas são as minhas estações,
que se repetem de tempos em tempos,
e me faz o que hoje sou: Um artífice do recomeço.
E como não tenho intervalos,
hoje é toda a minha vida,
e como tudo é um imenso segredo,
preparo-me para as outras vidas,
outras travessias,
viajo atrás de luz.
 
Ari Mota



segunda-feira, 14 de setembro de 2020

O QUE PERDEMOS PELO CAMINHO


 












O tempo foi complacente com a minha inocência,
demorei a perceber a distancia abissal entre perder e deixar.
Até dias desses, achava que estava perdendo coisas pelo caminho,
tive que deixar até alguns “eus” pela estrada,
alguns beijos, algumas camas, suspiros, risos,
olhares, ninharias e intimidades,
e intentava voltar para trazer de volta... o que foi ficando,
e olha, olhei por diversas vezes para trás,
que vazio incomensurável nascia aqui dentro, que deserto.
Tardei a ver que era uma trapaça do existir,
eram ciclos para ultrapassar.
O tempo não foi perverso com a minha insensatez,
por que pactuei comigo mesmo, fingir que ele não existia.
E com isso, deu tempo para perceber que nada eu perdia,
estava sutilmente deixando,
descartando os meus excessos,
e foi o maior dos acontecimentos da minha alma:
- e não era vazio, nem deserto, nem solidão o que sentia,
era a minha sutil excentricidade de despertar,
alterar a frequência,
preencher-se de emoção,
e deixa-la livre:
- para cuidar com mais intensidade dos meus amores,
e nunca perder a ânsia de preparar-se para novos tempos,
nem a resiliência de sempre continuar.
O tempo sempre foi compassivo com os meus sonhos,
esperou sentado na esquina do meu destino,
reconheceu os meus limites, e as minhas dúvidas,
olhava-me ternamente em noites de desespero,
e ajudou-me a inundar a alma de singeleza,
entender que muitas das vezes, nada se perde,
deixa-se pelas margens do caminho,
tudo que nos importuna,
machuca, constrange, e desgasta.
O tempo pode ter sido até inexorável na velocidade,
mas consegui entender que nada perdi pelo caminho,
só fui deixando as minhas sobras,
e tudo me foi espetacular,
surpreendi-me... com o que a vida me ofereceu,
e o quanto consegui amar.

 ARI MOTA


domingo, 16 de agosto de 2020

RECOMEÇO EM MIM

Que tenhas tempo para o silêncio,
e a solidão...
São dois lugares mágicos,
transcende a lógica, e o descritível,
esvaziam o peito, mas liberta a alma,
e livre, ela devaneia no lúdico,
e depois distancia do fútil, não mais coleciona ninharias,
e vê, que tudo é uma enlouquecida ilusão.

Que tenhas tempo para negociar com o existir,
e se encontrar...
Não acredites no inelutável,
lance-se ao acaso e em todos os temporais,
recapitule o que já viveu,
descarte as desnecessidades,
em nada há um desfecho, ou como fazer melhor,
reedifique tudo que possa esperançar.
 
Que tenhas tempo de curar as feridas profundas,
as magoas descabidas...
E possa resgatar amores perdidos,
e tê-los novamente dentro de si mesmo,
isso preenche nossos vazios, ameniza a nossa solitude,
auxilia-nos a atravessar nossos desertos,
aquecer nossos abraços,
e permitirá até oferecer nossos adeuses nas partidas.
 
Que tenhas tempo de inundar a alma de amor,
e os olhos de ternura...
Saiba, fugaz é o caminho, efêmero o riso,
podes não dar tempo de ser feliz.
Alguns coisificam a emoção,
amealham o tangível e esquecem o afago,
esmolam afeto, sem saber manifestar carinho,
perdem a sutileza do encontro, perdem a candura.
 
Que tenhas tempo para um dia dizer:
- de todas as descobertas, enfim,
a mais sublime,
a que mais me estremeceu,
rompeu a minha escuridão,
foi quando tudo clarificou aqui dentro,
e descobri que se tiver que recomeçar.
- recomeço em mim.

ARI MOTA


 


segunda-feira, 27 de julho de 2020

EM QUE ALMA EU EXISTO


Foi nessa solidão que me abraça,
nesse silencio, que me devora,
que descortinei em que alma... eu existo.
 
Obvio foi... depois de algumas tempestades,
algumas descrenças... que não mais me apavora,
e nem me faz descobrir em que momento eu desisto.
 
Mas pudera... extenuei de tanto narcisar,
até avistar que aquele no espelho... não era eu,
tudo que via era raso, era do tamanho da minha insensatez.
 
Evidente foi... um desespero encontrar a minha fundura,
e tudo estava ali... lá dentro... e tudo era meu,
o melhor que poderia ser, e tinha que brotar com solidez.
 
Foi nesse vazio que me achei,
nessa quietude descomunal que renasci,
não havia poesia, nem delicadeza, nem emoção.
 
O embate íntimo foi imperceptível,
doeu sem sangrar, dilacerou... mas resisti,
hoje, nada me é... aflição.
 
Foi nessa ilusão que me desperta,
nesse disparate que é sonhar,
que a vida me provoca e me atiça.
 
Cuido tanto da minha alma,
que vez em quando, lembro-me do corpo e vou andar,
temos um caso às escondidas, e ela me enfeitiça.
 
Foi nessa solidão que me assusta,
que deparei com a minha alma... nítida energia,
acalenta-me, me apruma... fez-me o que sou, enfim.
 
Ela me faz possuir excessos, transcende de tudo que sei,
e ando distribuindo para os meus amores, em demasia.
- e entro em êxtase, quando eles, apoiam-se em mim.
 
Foi nessa exorbitante descoberta,
nesse universo que não se vê, nesse imprevisto,
nesse recanto que escondo a minha cortesia,
que visceralmente está a minha alma, e eu existo.
 
Ari Mota


domingo, 14 de junho de 2020

RESSURGIR

De súbito tudo parou...
Foi um desatino existencial,
e verdade foi que, ninguém tinha para onde ir.
A maioria correu para a insensatez,
poucos recorreram da ciência,
e quase ninguém correu para dentro de si mesmo.

Que disparate a invisibilidade do inimigo,
de tão ínfimo, o vírus passeou livre pelo mundo,
ameaçou os lúcidos, fez ri os incautos.
Perdemos a clareza, a inercia nos envolveu,
fez-se uma enorme anarquia na alma,
uma desordem conceitual.

Mas, não se enganem...
Mesmo com esse desvario todo,
esse medo profundo,
a oportunidade foi incomensurável,
tudo foi uma angustia descabida:
- Só foi para nos despertar,
e nos provocar a ressurgir.
E nos fazer não só esterilizar a carne,
mas, causar uma assepsia por dentro... na alma,
o maior de todos os abrigos,
um lugar onde se guarda toda a resiliência,
de onde se sai, para enfrentar as tempestades.

Que saibamos ressurgir... e enternecer cada gesto,
fazê-los intenso, sem dramatizar o destino.
Que saibamos orquestrar com prudência os pensamentos,
e preencher com destemidez todos os nossos desertos,
perfumando mais as palavras,
aromatizando mais o olhar,
e diligenciando mais o silencio.

Que saibamos ressurgir... sonhando mais,
se amando mais, cuidando mais... do outro.
Que saibamos sentenciar menos,
lendo mais,
para fugir de conceitos, dogmas e paradigmas:
- Há um portal aberto a nossa espera,
poucos irão passar, poucos irão entender,
não somos daqui, nem aqui vamos ficar,
só estamos de passagem, viemos para evoluir,
e se... pretende criar raízes,
que as plante... visceralmente dentro de alguém,
muitos já esqueceram,
desse grão que se semeia na alma, dessa energia:
experimente ressurgir com amor.

Ari Mota



quinta-feira, 28 de maio de 2020

O CONTAGIO

Que depois do medo...
Possamos ter uma revanche:
- Desnudaram-nos,
viramos uma estatística,
amiúde, ficamos invisíveis...  ninguém,
foi uma barbárie,
coisificaram nossas almas,
estreitaram nossos sonhos com desdém.

Que depois do medo...
Depois de tudo que nos apequenou,
possamos ir à desforra,
e que ela tenha o amparo da lucidez,
esteja escorada em singelezas,
e sejamos os únicos artíficie da imensa mudança,
e que ela inicie lá dentro, se irrompa como um vulcão,
principalmente agora que descobrimos,
a importância das miudezas.

E que o próximo contágio... seja de delicadeza,
e doravante estampemos de afeto à vida,
e que o abraço ultrapasse o corpo,
e chegue até a alma,
e o olhar seja de ternura... não machuque,
nem seja de indiferença,
e as mãos não sejam instrumentos de sofreguidão,
e sejam utilizadas para socorrer, estender leveza,
alargar a proteção,
e o sorriso seja revestido de brandura,
espalhe sutileza,
acuda quem chega arrastando a solidão.
Que o encontro nos estremeça, e a alegria nos aprisione,
contagie visceralmente nossos sonhos,
e possamos saber onde esconder o nosso silencio,
nossa calma,
e nossa inocência nunca nos devore,
e toda a incerteza seja combatida pela...
resiliência da nossa alma.

E que a grande revanche, a imperecível desforra:
- venha contaminada de mansidão,
permita-nos ser mais compassivo,
ser mais contemplação,
e a metamorfose irrompa de dentro, sem nada impor,
e fiquemos outro e melhor,
e o mundo possa conhecer-nos outra vez.
Que sejamos contaminados por um vírus,
e não tenha nenhum antídoto para nos curar:
- E que esse contagio possa nos desentorpecer de amor.

Ari Mota


domingo, 19 de abril de 2020

O MUNDO DEPOIS DA SOLIDÃO

Olhei...
Para o mundo... e ele estava ali sepulcral,
vazio,
o silencio me doeu,
ardeu como noites de abandono,
me vi... sem alguns dos meu amores,
abriu um vão aqui dentro...
um nada... colossal.
Tive que redimensionar os sonhos,
redescobrir o existir,
e olha... eu já vinha fazendo isso,
virei poeta, deixei de coisificar os desejos,
- Só que esse momento é impar,
saio à rua e não encontro ninguém,
o que nos foi oferecido nos assusta, e tudo é fugaz,
como um raio em noites de temporal,
posso desaparecer sem se despedir.
Mas aí... eu... estava quase... esquecendo,
tenho a resiliência como companhia,
tenho umas obras inacabadas,
e ainda não é tempo de partir.

Sabe o que vou fazer?
Com o mundo depois dessa solidão?
Vou me recarregar de mais leveza,
cuidar com mais desvelo,
os jardins que carrego na alma,
desses devaneios, desses delírios inocentes,
que se avizinham a uma doce loucura,
mas, amenizam a minha aflição.
Vou ter mais olhares que cicatrizam,
e mais palavras que se silencia,
vou emudecer mais, somatizar mais ternura,
revivificar a minha própria luz,
robustecer a paixão pela vida,
e viver cada dia com mais brandura.

Olhei...
Para o mundo... e ele estava ali... frágil,
intenso... regenerando almas,
restaurando valores, temperando sentimentos,
permitindo congraçar consigo mesmo a própria historia.
Sabe o que vou fazer?
Com o mundo depois dessa solidão?
Vou levar menos peso, abrandar todas as angústias,
e tudo será vivido com mais esplendor.
Percebi que aquele que não se regenerou,
viverá vagando por aí, como um apedeuta,
sem amor.

Ari Mota

domingo, 22 de março de 2020

RESSIGNIFICAR A ALMA

Que... de todos os embates,
percebas que o mais difícil... o mais intrépido,
foi olhar dentro de si mesmo,
descobrir esse refúgio,
e se encontrar...
- assim, deste jeito...
com os seus medos, seus segredos,
ora efêmero... como uma ventania,
e muitas das vezes... tênue como uma porcelana,
mas, intenso na sua teimosia.

É que... de todos os lugares,
esse essencialmente é o mais profundo,
impenetrável... em noites de desespero,
mas, acessível em madrugadas de solidão,
é... de todos os abrigos,
o que mais oferece aconchego,
acalenta a alma, silencia o grito,
armazena leveza,
e tem uma sinergia que redesenha os sonhos,
afogueia o existir, e traduz tudo em delicadeza.

Que... de todos os embates,
esse terás que, agarrar com mais desvelo,
- será o de ressignificar a própria alma,
torná-la silêncio,
fazê-la amplidão,
e edificar ali... um templo,
uma fonte de suspiros, de emoção,
onde terás que plantar ousadia, ser resplendor,              
e derramar luz em todos os caminhos,
e ter como frequência... o amor.

E que depois de tudo... de todas as batalhas,
descubra que o perfeito dia... é hoje,
e o melhor lugar do mundo, é aí dentro,
onde reside a força que te faz... jamais desistir,
onde se replanta quietude, e colhe atrevimento,
onde se semeia calmaria, e repovoa os desertos,
e nutri-se de contemplação,
te faz vibrar com o por sol, e o cair da noite,
e te faz estremecer com a sutileza das estrelas.
- É onde se despeja toda a aflição.

Ari Mota


domingo, 26 de janeiro de 2020

ANJO ENLOUQUECIDO

Ele sempre foi angelical,
sempre me olhou com ternura,
e com candura...
colocava emoção onde a frieza queria moradia,
e me sacudia em noites de solidão.
Ele veio me consertando ao longo da minha vida,
a fez livre e atrevida...
nunca me permitiu voltar à velha estrada,
e dizia: se reinvente, tente... antes de partir,
mas, não passe no mesmo caminho,
nem que sozinho... tiver que seguir.

Ele sempre foi o meu emocional,
de todas as vezes que me direcionou,
o melhor atalho foi quando me levou... a mim,
- foi o melhor lugar que cheguei,
e o que me fez ser, o que hoje sou.
E ele veio me consertando, reconstruindo,
e em uma dessas madrugadas de desespero,
em silencio e sem exagero...
ofereceu-me companhia.
- uma louca bailarina e duas borboletas,
e inundou a minha alma de calmaria.

Ele sempre esteve no meu ritual,
nunca me permitiu apequenar,
sempre me desafiou... a amar,
mas... carrego um segredo,
que às vezes me dá medo...
acho que este meu anjo, enlouqueceu,
ou virou profeta...
anda orientando-me a só carregar... leveza,
e em delicadeza sentir a fugacidade do tempo,
a brevidade do existir,
e prosseguir assim, como um menino, um poeta.

E assim...
Ando descarregando alguns fardos,
e tenho abandonado pelo caminho...
esses ressentimentos que grudam na alma,
essas culpas que aderem na consciência,
esses juízos que tiraram a minha calma,
essas sentenças descabidas,
e de dentro... toda a violência.
Ando por aí, mais leve, flutuo às vezes,
esbarro de vez quando em estrelas perdidas no céu,
esvazio-me com todo o esplendor,
e no lugar... ando completando com amor.

Ari Mota