quinta-feira, 28 de maio de 2020

O CONTAGIO

Que depois do medo...
Possamos ter uma revanche:
- Desnudaram-nos,
viramos uma estatística,
amiúde, ficamos invisíveis...  ninguém,
foi uma barbárie,
coisificaram nossas almas,
estreitaram nossos sonhos com desdém.

Que depois do medo...
Depois de tudo que nos apequenou,
possamos ir à desforra,
e que ela tenha o amparo da lucidez,
esteja escorada em singelezas,
e sejamos os únicos artíficie da imensa mudança,
e que ela inicie lá dentro, se irrompa como um vulcão,
principalmente agora que descobrimos,
a importância das miudezas.

E que o próximo contágio... seja de delicadeza,
e doravante estampemos de afeto à vida,
e que o abraço ultrapasse o corpo,
e chegue até a alma,
e o olhar seja de ternura... não machuque,
nem seja de indiferença,
e as mãos não sejam instrumentos de sofreguidão,
e sejam utilizadas para socorrer, estender leveza,
alargar a proteção,
e o sorriso seja revestido de brandura,
espalhe sutileza,
acuda quem chega arrastando a solidão.
Que o encontro nos estremeça, e a alegria nos aprisione,
contagie visceralmente nossos sonhos,
e possamos saber onde esconder o nosso silencio,
nossa calma,
e nossa inocência nunca nos devore,
e toda a incerteza seja combatida pela...
resiliência da nossa alma.

E que a grande revanche, a imperecível desforra:
- venha contaminada de mansidão,
permita-nos ser mais compassivo,
ser mais contemplação,
e a metamorfose irrompa de dentro, sem nada impor,
e fiquemos outro e melhor,
e o mundo possa conhecer-nos outra vez.
Que sejamos contaminados por um vírus,
e não tenha nenhum antídoto para nos curar:
- E que esse contagio possa nos desentorpecer de amor.

Ari Mota


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