domingo, 24 de março de 2013

DESAPOSENTAR A ALMA

Foi mais ou menos assim...
um dia olhei a estrada... e fui,
claro... que abandonei aquelas margens de conforto, aquele colo,
aquela cama aquecida, aquele afago, aquela proteção... fui viver.
E foi... um intrincar de coisas...
embaracei-me com a dúvida... mas, fui indo,
visível foi... que quase me perdi no vão dos acontecimentos,
nos desvios do destino, nos descaminhos do envelhecer.
Chegou um dia que... depois de ter sobrevivido a tudo isso,
enojei-me com a fala dos homens, com o deserto dos discursos,
com a temeridade do culto a si mesmo, com o desamor ao outro,
quis ir embora para a casa, esconder do mundo, dar em mim... um sumiço.
Os sensíveis não sobrevivem tanto, somente os tolos suportam a insensatez.
Olha... quis por vezes abandonar o posto... de resiliente, fugir da lucidez.
Sumir... levantar acampamento,
achei que seria fácil... ir embora... fugir de mim... fugir do sonho,
aposentar o atrevimento.
Mas alguém me chamava...
alguém... seguia-me pelos cantos da casa, me cutucava,
como quem grita em solidão.
E ai... não tive outra maneira, e toda faceira... tive que desaposentar a alma.
E ela atrevida... metida como tal, não me permitiu a inércia... a indolência,
passei a buscar... outro, norte,
a reiniciar-me em manhãs de delírios, em vez de esperar a sorte.
Hoje... eu é que... corro atrás da minha alma, e desesperadamente,
desvairo-me ao saber que tudo pode findar em um instante,
e isso, me fez a vida mais interessante.
Desalojo o medo em madrugadas de desespero,
desvisto-me de toda a incerteza.
Eu e minha alma... todas às vezes,
que o destino nos convoca para uma conferência,
saímos dançando em alucinação... e em pura inocência,
já até sabemos o teor da conversa... “tudo acaba”,
e então... amamos o fim... só assim, poderemos recomeçar,
tudo com mais delicadeza.
Tive que desaposentar a minha alma,
inda temos muitos combates, preciso... inda cuidar do meu jequitibá,
dançar enlouquecido com aquela bailarina louca,
cuidar das minhas borboletas,
inda tenho outras almas parar amar.

Ari Mota

Um comentário:

Anônimo disse...

" que quase me perdi no vão dos acontecimentos,
nos desvios do destino..."

Belo texto, é impossível deixar a nós mesmos e nossas almas sedentas de sonhos e amor, pueris ilusões, e não nunca abandonamos o barco ou batemos em retirada!