quinta-feira, 30 de junho de 2011

REMÉDIO PARA A ALMA


Houve um momento que achei que a juventude ia perdurar por mais tempo,
em alucinação.
Cismei que iríamos assistir o reapresentar do Woodstock em delírios,
e em paixão.
E que Joe Cocker cantaria no coreto da minha cidade, perdida nos confins
das gerais.
E Jonis Joplin cantaria só pra mim, e eu dançaria com minha louca
bailarina na praça, com toda a graça, e um bando de borboletas azuis,
aplaudiria em vôos radicais.
E depois... já na madrugada, sairia em serenada com Elvis Presley,
e embebedaria com os Beatles, até desfalecer na calçada.
Mas tudo ficou esquecido nas noites geladas dos meus sonhos.
E o tempo inexorável, não cedeu um intervalo maior...
para a minha jovialidade.
Impiedoso... roubou-me o olhar de menino e a inocência,
rigoroso... afugentou a doçura dos devaneios,
implacável... escondeu a fantasia da adolescência.
Só não foi mais cruel, porque aceitei as transformações,
adaptei-me ao deformar da expressão.
Mas confesso...
tentei escapar das marcas do tempo, das dobras na pele,
da falta de negrura nos cabelos, do passado em solidão.
Até corri aos tratamentos terapêuticos, atrás do remoçar,
e tudo foi muito pouco, inútil até... não consegui voltar.
O corpo desfigurou-se da beleza de outrora,
só a alma manteve-se intacta, não foi tocada pelas estações,
nem sequer a rudeza do inverno, nem o vigor do verão a mudou,
alterava somente nos outonos, e renascia em cada primavera, sem demora.
E eu que achava poder abandonar a fugacidade do tempo,
esconder a velhice... e fazer como nada acontecia,
tive que brincar de passado e de saudade, enganar o dia.
Houve um momento que achei que a juventude ia perdurar por mais tempo,
passou como uma ventania.
Não teve jeito, agarrei-me ao dever de cuidar da minha alma,
deixá-la sempre jovem, fazê-la existir.
Na descoberta, e resiliente... criei o seu melhor remédio:
amar
e rir.

Ari Mota

domingo, 26 de junho de 2011

EDIFICANDO O CARÁTER


Sem perceber foi chegando à mansidão no meu existir.
Óbvio... foi que na juventude criei passos largos, acelerei o olhar,
quis chegar antes de partir, quis emudecer antes de falar.
Fui vendaval em noites de calmaria, silêncio em manhãs de gritaria,
saí em desatino, querendo mudar o mundo... o meu destino.
E assim... desnudei-me em fraqueza, fui perdendo o sabor da pureza,
fugaz foram os meus desejos, efêmero a delícia dos beijos.
E cheguei ao meio da existência, na metade da minha vida,
e um dia fui testado pelo acaso... ganhei dinheiro e poder,
o primeiro escapou-me como uma folha seca em noites de ventania,
o segundo... fui espalhando pelo caminho, em agonia.
Das provas, a verdade da derrota foi a que mais me sacudiu,
bateu forte, cravou um vazio no peito, feriu.
Mas, foi o momento de maior crescimento, passei a ser eu em demasia.
Resiliente... tive que reinventar o caminho, redescobrir o horizonte.
Abandonei o esboço do que fui... passei a ser eu por inteiro, uma ponte.
E percebi que na verdade... fui me construindo sem saber,
e depois de tanto cair, eu e minha alma pactuamos... ressurgir.
Mas... há que se ter... momentos de lucidez,
e os tive... em fantasia, pura imaginação.
Em devaneios resolvi semear sonhos,
aclarar as sombras que habitavam minha essência,
evidenciei em mim, e pela vida... paixão.
Passei a não sentenciar as diferenças, nem outras escolhas.
Modelei um novo “eu”, redefini novos hábitos, encontrei outras virtudes,
tive que, ir retirando as mascaras que usei,
tive que oferecer os beijos e os abraços que não dei.
Sem perceber, a mansidão... apossou-se do meu existir,
eu que fui desespero, hoje sou contemplação.
Sou uma obra... inacabada, cresço desmedidamente,
passei a edificar... a mim mesmo,
vivo em desafio, sem ilusão, sem clamor
construo esperança, em silêncio,
e o meu caráter,
com amor.

Ari Mota

terça-feira, 21 de junho de 2011

O QUE VOCÊ PROCURA


Se todos os dias engolir a seco a própria existência,
sem cadenciar os passos, sem rumar à direção,
e com o olhar acelerado... contemplar o horizonte, e nada perceber.
Abrir os braços suplicando carinho,
estender as mãos com medo de caminhar sozinho,
e em sobressalto, perder a intimidade com o próprio silêncio,
necessitar de companhia a todo tempo, em todo o viver.
Você pode até achar que tudo virou solidão,
mas esse... é o momento da busca, do que você procura.
Se olhar com ódio, terá como reenvio desamor,
se acarinhar com um sorriso, a vicissitude lhe trará amor,
se falar com brandura, ouvirá em melodia... ternura,
e na descoberta encontrará tudo que buscas... ai dentro.
Mas... acalme-se... tudo isso é um exercício sem fim,
olhe infinitamente para você mesmo, com todo o cuidado,
regue-se com fervor... como se fora um jardim,
ponha equilíbrio... harmonia na sua caminhada,
cuide-se desmedidamente, sem temer a jornada.
Atente-se ao desassossego que permeia a alma,
e que lhe acompanha em todo o existir.
Aperceba essas emoções que entalam na garganta, querendo sair.
São dúvidas, acasos, ingênua inquietação,
impulsividade em desespero... ou em aflição.
Talvez... falta-lhe preencher os vazios, perceber os desvarios,
ou com toda a bravura, descobrir para que veio, o que procura.
Uns, saem por ai... atrás do vil metal, outros atrás de aventura,
uns até perdem-se no horizonte em busca de seus objetivos.
Outros já chegam perdidos e nunca se encontram... ficam esquecidos.
Mas há os que buscam tracejar o seu destino, esculpir seus sonhos.
Esses procuram tanto, que no fim,
escancaram intensamente a vida...
a procura e... encontram... amor,
e são felizes.

O que você procura?

Ari Mota

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O VENTO

Quando menino, li que do outro lado do mundo, nascera o vento.
E tudo foi por um bater de asas... de uma borboleta enlouquecida.
Ela... queria ganhar os céus, ser livre, desmedida,
voar sem destino, independente, desimpedida,
buscava a liberdade de si mesma, o próprio caminho.
Um dia... vestiu-se de ousadia, celebrou saltar em alegria,
e lançou-se no abismo da coragem... de decidir por si só,
audaciosa, arriscou o vôo... isentou-se das amarras,
fluiu descomprometida,
e foi embora, somente olhou a todos com ternura, com carinho,
sem domínio... ganhou o espaço,
sem despedir, sem entregar um beijo, ou roubar um abraço.
Partiu...
Mas, pediu ao vento que saísse espalhando a história,
e que ela estaria em cada expressão do existir,
e que todas às vezes ao passar por alguém... como um louco,
brincasse com os seus cabelos, tocasse a sua pele sem ferir,
e como não bastasse, deixasse uma mensagem para todas as almas:
que fossem livres, tolerantes e tivessem em demasia... amores,
e que além de lucidez... fossem sonhadores.
Eu que desde menino olhei o vento com olhos de desejo,
e em volúpia sei que distribui liberdade a quem quer que seja,
até hoje e já envelhecido o vento me fascina, me encanta... alucina.
Despeja em mim, transformação, o novo que vem de algum lugar.
E em silencio, respiro fundo e tiro-lhe a essência,
sei que ali sempre tem daquela borboleta... inocência
e amor.

Ari Mota

quinta-feira, 9 de junho de 2011

QUANDO ACABAR O CAMINHO

Se num dado momento do existir,
tiver que reduzir bruscamente os passos, não ter mais como andar,
findar as referências, as coordenadas, encontrar-se perdido,
meio que no abandono, esquecido.
E perceber que desapareceu o caminho,
e como se não bastasse... ser alcançado pela solidão,
refém de si mesmo... sozinho.
E depois o peito apertar em aflição,
e de repente...  sentir que escapou o riso, desabou o choro,
caiu uma cerração sem igual, e um frio entrou carne adentro,
silenciando a delícia da travessia, e a alegria do encontro, do abraço.
E uma angustia brotar dentro da alma em descompasso,
agarra-se em desespero ao próprio medo,
e o novo, o inusitado lhe fizer segredo,
não... não será possível voltar.
Nem intentar converter o rumo, nem redirecionar a trajetória,
nem achar que errou o norte, ou soçobrou em desalinho.
Terás mesmo... é que arregaçar as mangas,
criar, tracejar... dar existência ao próprio caminho.
É chegada a hora de não mais seguir os outros, nem ninguém,
e na descoberta... ver que naquele instante inicia a própria historia.
você que era dúvida, um enigma... agora transformou-se em paradigma.
Não se perde quando o caminho acaba,
perdem-se quando não descobre outros horizontes,
outras maneiras de saltar profundamente no desconhecido,
e alçar outros vôos... sem destino, e achar sempre uma saída.
Quando acabar o caminho, vá...
Guia-se pelo entusiasmo que carregas na alma,
arranque esta sisudez da cara, ria em demasia,
cante uma canção em alegria,
brinque com os seus medos,
não hesite em ser feliz.
Este é o caminho.

Ari Mota

sexta-feira, 3 de junho de 2011

ESVAZIAMENTO DE SI MESMO


Se com o transcorrer do tempo o crepúsculo lhe incomodar,
e um vazio assaltar a alma, e em ansiedade... deixar um vão.
E não conseguir aquietar-se em repouso, nem em descanso,
nem sossegar o corpo, ou fazer a alma entregar ao sono,
e depois de tudo... um desespero romper de dentro sem motivo,
e aperceber o inundar dos olhos... em gotas feito abandono.
E como se não bastasse, um soluço brotar em silencio,
escondendo o choro,
e não conseguir refugiar-se para dentro em solidão.
Isso poder ser...
o esvaziamento de si mesmo.
Terás que desafogar o medo que te aperta,
que te comprime em aflição, que te desatina em sofreguidão.
E romper com essa angustia, com essa dor incerta,
e redimensionar a estreiteza do desafio, do inusitado,
e saciar-se novamente de esperança,
nutrir a alma de sonho e o existir de amplidão.
Terás que cavar profundamente o íntimo, e ser diferente,
tirar dali destreza, arrancar os talentos que sempre escondeu,
e se expor ao mundo, com um olhar resiliente,
suportar o acaso, amar o desconhecido,
entender as vaias...
refazer, reconstruir os erros, e ser aplaudido.
Porque tudo aqui... mede-se, mensura.
Vê-se o tamanho da beleza, a intensidade do brilho.
A grandeza do desafio, o barulho da queda.
O silencio do vôo e a leveza da ternura.
Não permita o esvaziamento de si mesmo,
se você continuar como está...
vai terminar igual aos outros,
vazio...
Sem amor.

Ari Mota