domingo, 27 de fevereiro de 2011

AS ESCOLHAS DO CAMINHO


O destino, certa feita impôs-me romper a indolência,
arremessou-me na estrada, soltou das minhas mãos,
e em desamparo, em desatino fitei o horizonte... segui o caminho,
no princípio cismei que o trajeto seria somente linha reta,
e que mesmo sozinho, era só continuar.
E assim... derrapei na primeira curva, tive que parar,
recompor o susto, bater a poeira, realinhar o existir,
tomar fôlego, redimensionar a direção, e seguir.
Eu que visualizei uma via única para caminhar,
a deparei sinuosa, ondulante, vaga, distante,
serpenteava em minha frente, flutuava no meu olhar.
Perdia o foco em madrugadas de neblina,
tremia de medo em noites de ventania,
parei muitas vezes, e muitas foram as que quis voltar.
Resiliente... sempre seguia em frente.
Procurei atalhos, vereda secundária, rua imaginária,
intentei ir... fui seduzido pela dúvida de chegar,
transpirei de cansaço, de incerteza,
fiz da minha alma companhia, fortaleza.
E hoje envelhecido...
Sei o quanto foi magnífico que minha trajetória,
transcorresse em vias contraditórias,
em ruas descalças, em avenidas infindas,
em curvas tortuosas, teimosas.
Cresci com o meu caminhar... fiz de mim,
um caminhante, que de errante nada tem,
caminho oferecendo carona
aos que me olham com amor,
fazem-me...
bem.

Ari Mota

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

REINVENTAR OS ÍDOLOS


Andei bisbilhotando o homem dos tempos de hoje,
os encontrei sem referências humanas,
carentes de símbolos, com ausência de ídolos,
alienados... dispersos... sem sonhar.
Apartado da lógica, do senso, do livre arbítrio, do evoluir.
Sem contemplar a critica, nem mensurar as diferenças,
sondei sem inquirir, averiguei sem questionar,
olhei sem ser torpe, com olhos de águia... espiei a distancia,
sem expressar indiferença, nem intolerância.
Distanciei-me da multidão, como tigre em noites de solidão,
olhei sem impor censura, os encontrei sem desaprovar.
Vi nas atitudes, nos vazios existenciais:
falsas ideologias, discursos tirânicos, demagogia.
Vi gerações perdidas, implodidas, inúteis.
Sem escolha de comportamento ético,
cético no amanhã, perambulando pelas ruas,
sem buscar outros paradigmas,
sem mudar o ângulo, nem virar as paginas,
nem trocar de livros, nem ultrapassar fronteiras,
sem derrubar cercas, sem no gestual ter outras linguagens,
e no andar... instalar outras paragens.
Os encontrei naufragados em si mesmo,
carecendo de uma reengenharia que pudesse colocar esperança,
onde se encontra desprezo, onde está a dor,
consciência onde falta o saber,
porque se muda um país quando o faz com seus ídolos,
e os reinventa sempre...
até encontrar um que fale
de amor.

Ari Mota



sábado, 19 de fevereiro de 2011

O HOJE ME FASCINA


Pela manha batem em minha porta três figuras espectrais,
esboços quiméricos, fantasmas de mim.
Espio pela fresta do destino,
e deparo com o passado, o presente e o futuro,
ambos na espreita... querendo invadir minha alma,
e em delírios frenéticos tomar de assalto meus sonhos,
brincar com o meu dia, sacudir minha calma.
Hesitei... quase não os permiti... entrar.
Hoje... envelhecido estou no tempo da escolha,
sou livre no desejo, solto no planear,
salto profundo em todos os abismos,
e desponto livre dos conceitos e das cercas,
traço o meu vôo, desenho o meu andar.
Permito o invadir do inusitado, do incomum,
resisto ao medo de existir, de enfrentar os caminhos,
suporto o rigor da estrada, de estar sozinho.
Convido o passado a sentar comigo em noites de solidão,
trocamos lembranças, falamos de desencontros,
de soluços, de saudade... o denomino professor,
mas... logo em seguida o alojo no porão.
E depois... fito com ternura o futuro, fantasio-me de amanhã,
sou sempre esperança, sou infinitamente esplendor,
mas... o convido a recolher-se, e me esperar.
Depois... ou logo em seguida, danço loucamente com o presente,
harmonizo-me a suas fantasias, e vivo sem ensaios,
sou tocado pela beleza de todos os amanheceres,
eles me fascinam, 
vivo somente o hoje,
por amor.

Ari Mota

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O MEU ANJO


Um dia... na meninice percebi que alguém me seguia.
O tempo fluiu, tomei corpo, adaptei-me as intempéries,
fui nuvem em noites de ventania,
fui riso em madrugadas de calmaria.
E sempre aquele espectro em meu passo,
agarrado ao meu vestígio, debruçado em meu cansaço.
Em uma destas esquinas do destino, o esperei em desatino,
e indaguei seu nome?
Manso como uma borboleta em transformação,
sereno como uma orquídea em perfeição,
segredou-me a meia voz... sou seu anjo,
o acompanho pelo caminho,
e nunca o deixei sozinho.
Em êxtase...
Não tinha o que ofertar, tenho tão pouco, sou tão pequeno.
Tímido, ofereci minha alma para ele morar,
pactuamos nunca um deixar o outro, até tudo terminar.
Hoje... envelhecido.
Sei que ele sempre foi minha bússola, meu norte.
Fiz dele meu mapa, não me perdi pelas estradas,
faço dele meu GPS, ensina-me os caminhos, é meu suporte.
Ele me acalma, é meu rumo, meu prumo.
Ele é amor.

Ari Mota

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

DOSAR OS VÔOS


Não almeje dimensionar somente as coisas da conquista,
o prazer do desfrute, o despender da moeda,
a insensatez do consumo.
Não devore o tempo como se fosse o último instante,
não desfoque o rumo,
nem o viva com se eterno fosse.
Pondere os saltos, os delírios,
a embriagante jornada de estar aqui.
Seja prudente nos vôos...
mas salte profundo somente para dentro de si mesmo.
Mas antes de tudo...
Vislumbre planear o tamanho da luta,
saiba secar o suor que destila, a carne que sangra,
aceite as batalhas que se perdem, não fuja da disputa.
Suporte os medos dos duelos e a solidão dos combates,
desmistifique os vazios que acampam na alma,
plante ali mudas de resiliência.
Resista às ventanias do existir, e ao cheiro da terra quando cair.
Ataque a inércia, a indolência... sem se perder pelo caminho,
e siga seu destino sem se sentir sozinho.
Mescle o riso com a sisudez, simplicidade com altivez,
impetuosidade com calmaria, prudência com loucura
tristeza com alegria, rudeza com candura.
Olhe com delicadeza para você, e para o mundo,
e pelo que já conquistou... que tudo será muito simples,
às vezes em um segundo
a vida que é amor...
finda,
e pode não dar tempo de ser feliz
ou de dizer adeus.

Ari Mota

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

SOBRAS DE MIM


Em regresso fui vasculhar o passado...
E lançar ao mar das minhas emoções,
sobras de mim.
Deixar à margem do meu caminho,
restos de desilusões.
E de tudo que me aconteceu, de tudo que ficou empilhado,
guardado nos porões da alma,
engavetado como angustia, ou escondido como ilusão,
tudo que me estreitou, apequenou o meu existir,
toda a fúria em disfarce, todo medo em desistir,
tudo que fez de mim rancor, do meu abraço desamor,
do meu olhar em desalinho, do meu carinho em desafeição.
vasculhei a alma... joguei fora tudo o que me era de mais,
esvaziei-me por dentro.
Hoje...
Quando regresso ao passado,
minha alma, que de tão calma... nada trás de desprazer,
desliza pura e ingênua sobre o meu destino,
já não caminha, flutua a procura de mim,
voa sem esvaecer,
resiliente busca em devaneios... ser feliz,
vasculho minha alma todos os dias,
a procura de ódio, a procura de dor,
só encontro sobras de
amor.

Ari Mota

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

MORRER É ABANDONAR A ALMA


Ando tão feliz...
Que esqueci que tinha que morrer.
Como acho que morrer é um acinte ao sonho,
prefiro sonhar.
Vivo visceralmente...
Descubro a sutileza do toque, e a beleza do olhar,
o perfume das rosas, a emoção de amar.
Não permito a companhia do desalento,
nem a ausência do sentimento,
Vivo assim...
Uns morrem lentamente, agonizam toda uma vida,
sofrem sem ter dor,
clamam carinho sem oferecer amor.
Eu...
Tenho exagerado no afeto, amo em demasia,
sou colo, sou pequeno, grande, sou lago profundo, calmaria.
Ando tão feliz...
Que tem madrugadas, que eu e minha alma... dançamos sem parar,
ela me sussurra e me apalpa... diz que me ama.
E que morrer... é quando um abandonar o outro,
­grudo nela, e ela em mim.
Somos apaixonados um ao outro, nem ventania separa,
nem solidão desampara.
Ando tão feliz... que...
tenho esquecido de morrer.

Ari Mota

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

REABASTECER A ALMA


Acelerei os passos, disparei pelas estradas,
perdi a prudência da quietude, fiz da juventude desassossego,
do olhar frieza, dos sentimentos desapego.
Parti mais...
Celebrei infimamente as chegadas,
fui descuido, desatenção, palavras em descortesia,
isolamento em demasia.
Mas um dia...
o tempo surrou-me nas esquinas do existir,
quase perdi o fôlego, quase cai em descompasso,
por momentos e sem força quase não consegui resistir,
por pouco fiquei sem o calor de um abraço.
Cai por vezes... mas levantei por outras tantas.
Resiliente e na descoberta...
vi que tinha que reabastecer a alma,
e inútil... somente afiar a espada... é preciso as vezes encontrar a calma,
e entre um combate e o outro, vez por outra... dançar na praça,
brincar com borboletas, gargalhar em devaneios, abandonar a caça,
colher rosas vermelhas, bebericar gotas de singeleza,
realinhar sonhos, perder-se na dúvida, e jamais ter certeza.
Hoje...
Amenizo a severidade que tinha comigo mesmo, me aceito como sou.
Reabasteço-me, de mim mesmo... do meu silencio.
Minha alma perdeu a fúria, deixou de ser inquieta,
estou aproximando do tempo da razão,
olho a mim... faço versos... virei poeta,
não sou mais solidão.
Reabasteço-me, de mim... como um sonhador,
continuo... insisto,
por amor.

Ari Mota